Desenhos ⓒ Brígida Machado



O SOL AO CANTO DA FOLHA  
Apresentação | 16 de Novembro | 15h30

Convidamos a participar na COLAGEM DE CARTAZES da artista Brígida Machado, no dia 16 de novembro, pelas 15h30, na Pó de Vir a Ser.
Estes cartazes são o rosto de uma das frentes de trabalho, a par da escultura em pedra, da investigação bibliográfica que realizou na Biblioteca Pública de Évora e da escrita do texto “Paródia do olho solar”, que a artista produziu ao longo da sua residência artística na Pó.

A residência artística de Brígida Machado integra o ciclo de programação "A Condição do Campo”, um ciclo dedicado à investigação do cruzamento da noção de escultura com outras disciplinas artísticas. Tendo, como ponto de partida, o diálogo com a matéria • pedra • mármore, os artistas residentes desenvolvem o seu trabalho à luz da revisão de conceitos críticos à produção escultórica, em articulação com as suas práticas e outros vocabulários, convocando uma leitura atual do enunciado proposto em “Escultura no campo ampliado” de Rosalind Krauss.


Paródia do olho solar

Tenho um primo que diz que tem uns óculos de sol tão bons que até dão para olhar para o sol.

Mas para que queres olhar para o sol?

Gaston F., 30 anos, desenhador de bordados, entrou no asilo de Sainte Anne em Janeiro de 1924. Um mês antes, nas proximidades do Pére-Lachaise, pôs-se a fixar o sol, recebendo ordens para cortar um dedo. Sem hesitar, e sem sentir dor, rasgou o dedo indicador inteiro com os dentes. Fixou o sol para se hipnotizar e não questionou a ordem do astro que lhe dizia: “Faz qualquer coisa madraço, sai desse estado.” Depois dos sentimentos de suicídio, não era grande coisa ficar sem um dedo.

Também Van Gogh forçou o olhar para o sol, num exercício de delírio que resulta em pinturas de “sóis” gloriosos e por oposição, de girassóis murchos. O girassol, a flor solar por excelência acaba vergada e morta... A verdade e o seu oposto, já que segundo ele, o próprio sol tem a cor pestilenta do enxofre.

Bataille descreve este sol apodrecido como a mais elevada concepção mas também a coisa mais abstracta pois não devemos olhá-lo fixamente. Isto pressupõe uma certa loucura. O sol que não olhamos e que idealizamos é de beleza perfeita, o que olhamos será necessariamente horrível, pela própria incapacidade física do homem.
(...) Os olhos humanos não suportam o sol, nem o coito, nem o cadáver, nem o escuro, embora o façam com reacções diferentes.
O sol que brilha e seduz na elevação de Ícaro é o mesmo que derrete a cera que lhe cola as asas e faz com que caia. O homem desafia os seus constrangimentos físicos em troca dessa busca levada ao cúmulo do brilho ofuscante e ilusório do astro.

A Águia-deus, símbolo universal e primitivo fixa o astro de frente, procura esse fogo do céu e destinatário de sacrifícios aztecas. O Rá dos egípcios, a divisa de romanos e imperadores na figura redentora da águia que devolve ao homem a libertação.

Nos Guias de Navegação do século XV e XVI, são muitas as imagens dos astros como elementos essenciais para a compreensão do papel da Astronomia na navegação e calendários. O sol e a lua são muitas vezes dotados de traços humanizantes, a lua quase sempre melancólica e séria, o sol sorridente, sereno ou malandro. A figura humana nestes esquemas astronómicos é uma figura simples feita de traços elementares e os astros assumem o temperamento e as características físicas humanas. Com o avançar dos séculos, estes atributos humanos vão desaparecendo das faces destes astros, porque a seriedade da ciência assim o pede.

Nos livros de horas a presença do astro é frequente como alegoria divina, truncado e incompleto, de pequena dimensão e bem arrumado no diminuto espaço de uma iluminura. Os eclesiásticos e crentes aparecem em oração ou em poses de assombro ou submissão. Por vezes uma mão profética aponta o foco, outras vezes só vemos raios solares perfeitos. As figuras são representadas a olhar esse astro-Deus mas é-nos interdito o seu aspecto na totalidade. 

E o sol ao canto da folha das crianças? Porque o cortam? Fazem iluminuras em folhas A3 mas não o eliminam, só o mutilam. A verdade e o seu oposto.

E um cego? Ele sente o sol. Mas não enlouquece porque não o vê.

No centro da pedra está a luz. Irradia mas ainda sem raios. 

Queria vê-los. Usei uma máquina de corte. Eram bananas, depois dedos e salsichas. Agora são raios que se podem olhar mesmo sem óculos de sol.

Mas o meu astro está cortado. E não o dedo. A última palavra é da pedra, sem risco de loucura.



Brígida Machado

Évora, Novembro de 2024




A residência artística de Brígida Machado integra as atividades do programa bienal da Pó de Vir a Ser. A Pó de Vir a Ser é uma estrutura financiada pelo Ministério da Cultura / Direção Geral das Artes e tem o apoio do Município de Évora, Município de Montemor-o-Novo, Assimagra, Formas de Pedra. Integra a Rede Portuguesa de Arte Contemporânea.











Brígida Machado. Nasceu em Évora em 1980. É licenciada em pintura pela Faculdade de Belas Artes de Lisboa. 
Exposições 2023: Hearts on Fire - A Homem Mau e Plato, Exposição Coletiva, Lisboa; Oblíquo - Exposição Individual, Galeria Trema, Lisboa; LAAF - Lisbon Art and Antiques Fair,
Cordoaria Nacional, Lisboa || 2022: Exposição e Catálogo Prémios FBAUL 2011*21, Lisboa;
Distinção Arte e Fotografia pela Revista +Alentejo || 2021: Drawing Room, Lisboa || 2018: FigBilbao, Bilbau; Estampa - Feira de Arte Contemporânea, Madrid 9 ARTISTAS 9 MUNDIVIDÊNCIAS / Palácio dos Marqueses da Praia e Monforte, Estremoz || 2016: PÉRIPLOS / Arte portugués de hoy, Exposição Coletiva, CAC Málaga || 2014: Anémona - Exposição Individual, Galeria Trema, Lisboa || 2013: JustMad, Madrid; Seleção Prémio Arte Jovem, Torres Vedras|| 2012: Filete - Exposição Individual, Museu Municipal de Estremoz e Galeria Trema, Lisboa || 2011: Novos trabalhos na Trema - Coletiva, Galeria Trema, Lisboa; Selecção JCE - Jeune Création Européenne 2011, Montrouge, Paris e Museu Amadeo de Souza-Cardoso, Amarante; espaço_arte@ULIS, Comemorações do Centenário da Universidade de Lisboa, Reitoria da UL, Lisboa || 2010: Podengo - Exposição Individual, Galeria Trema, Lisboa; Cabinet d'Amateur - Colectiva 20 Anos da Sala do Veado, Lisboa; 1o Prémio Pintura - 4a Edición  remios JABA, Ayuntamiento de Badajoz|| 2009: Pantera - Exposição Individual, Galeria Trema, Lisboa; Cães - Colectiva, Galeria Trema, Lisboa || 2008: Gravura Contemporânea 1999-2007 FBAUL - Sala do Veado, Lisboa|| 2007: Ai Criaturas e Corações - Exposição Individual, Galeria Trema e Galeria Municipal Museu Prof. Joaquim Vermelho, Estremoz || 2006: 1o Prémio Concorso Interpretarti - Associazione Rossela Quaranta - San Donato Milanese; Participação na instalação 10 anni di stile da Triennale di Milano, Edizione Zer0.

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