O que aconteceria se, de algum modo, puséssemos o leme nas mãos das crianças, oferecendo-lhes os nossos restos e sobras, perguntando-lhes: o que fazemos agora? como poderíamos raspar na matéria outras formas de mundo?
Maria Lis foi à procura de objectos sem uso, remetidos aos dias passados, uma peneira, uma caixa de comprimidos, uma balança para cartas, um limpador de espingardas, algumas pedras, uma goteira e outras miudezas e entregou-os a várias crianças para lhes perguntar: e com estas coisas que já temos, também podemos fazer outro mundo?
Trata-se de tentar raspar com as unhas uma forma nova num material antigo, esculpir maneiras de continuar apesar dos tantos entraves.
Uma geografia de entrelinhas, de silêncios e de mãos-na-massa, as imagens de Ana Filipa Correia, os objectos à espera de ânimo e o texto escrito no contexto desta residência pela Maria Lis, ENCLAVE, editado agora pela Língua Morta, poderão ser vistos, ouvidos e mexidos na Pó de Vir a Ser, como promessas de outro modo, no dia 9 de novembro, pelas 15h.
Sobre Enclave
Entre o México e os Estados Unidos, milhares de pessoas trepam à garupa de comboios traçando no mapa um caminho até ao que ainda poderá vir, ou o que pode vir a ser. Muitas destas pessoas são crianças. Muitas delas são capturadas na fronteira e conduzidas para centros de detenção temporária, aí deixadas a aguardar por uma audiência onde uma sequência de perguntas lhes é aplicada - para que, de acordo com a lei, se averigue o destino a dar ao «problema». Valeria Luiselli relatou a sua experiência enquanto intérprete destas crianças nestes interrogatórios, em Tell me How it Ends e no romance Deserto Sonoro.
Maria Lis e Ana Filipa Correia propõem um Enclave e um caminho até lá. Maria escreve sobre a genialidade das crianças quando respondem a realidades tremendas, comboios, viagens e cresceres, sobre o que se leva no saco ou nos bolsos, sobre o que se deixa para trás. Ana Filipa fotografa os entretantos, as possibilidades, o jogo entre o visível e o invisível, a sua força e face macia - uma forma de tensão que desenraiza e procura, assim, escutar o que as palavras dizem a partir de um lugar de abertura e alteridade.
Criação: Maria Lis Produção: Pó de Vir a Ser Residência: Pó de Vir a Ser Apoio: Editora Língua Morta Fotografia: Ana Filipa Correia
A residência artística da poeta Maria Lis integrou as atividades do programa bienal da Pó de Vir a Ser, “ A Condição do Campo”. A Pó de Vir a Ser é uma estrutura financiada pelo Ministério da Cultura / Direção Geral das Artes e tem o apoio do Município de Évora, Município de Montemor-o-Novo, Assimagra, Formas de Pedra. Integra a Rede Portuguesa de Arte Contemporânea.
Maria Lis vive em Lisboa, onde brinca, escreve, desenha e canta. Publicou o livro Quando Onde (Tigre de Papel, 2022), com Miguel Cardoso, e o livro de poemas Turbulenta Forma (Língua Morta, 2023). Em 2024, ilustrou a Correspondência entre Antonin Artaud e Jacques Rivière (Tigre de Papel), participou com o ensaio Medida Inteira no quinto número da Revista Lote e, entre outros projectos de desenho e de escrita, publica agora o livro Enclave (Língua Morta) que resulta da residência de escrita na Pó de Vir a Ser e do trabalho conjunto com a fotógrafa Ana Filipa Correia.
Informação sobre o evento
Hora de início: 15:00 Duração: 2 horas Público-alvo: público geral Classificação Etária: M/12